Para entender este processo, é preciso compreender a formação dos atletas ses e o quanto o futebol local valoriza a base, especialmente a comunidade. Os bairros ses são verdadeiros celeiros de atletas, com times voltados para jovens em condição de vulnerabilidade. Estes times são acompanhados de perto por olheiros dos times das principais divisões sas, estabelecendo um trabalho de captação que vem gerando frutos internacionalmente. É o que pode ser visto em escala global na Copa do Mundo do Catar.
"A França trabalha a questão de jovens de uma maneira diferente de qualquer outro país ou qualquer outra liga. A França tem uma cultura genuína de futebol de rua, pouco parecido com o Brasil, que se concentra mais nas periferias. A França tem isso nos bairros, não é aquela coisa periférica, que fica encostada nas comunidades. Você consegue ver em bairros tradicionais os times do bairro e daquela região. São clubes amadores que revelam jogadores a torto e direito. Os times de primeiro, segundo e terceiro escalões da França monitoram as equipes de bairro justamente para construir sua estrutura de categoria de base e se tornam celeiros. Se os times da primeira, segunda e terceira divisão da França fossem grandes rios, os times de bairro seriam afluentes", disse Filipe Frossard Papini, criador do blog especializado em futebol francês C'Est Le Foot.
"Assim a gente começa a entender como se forma a cultura de futebol na França. Tem tantos times, as oportunidades são tão claras, que basicamente quem sonha em ter uma oportunidade no futebol, é só questão de querer, conseguir se juntar a um time de bairro. E se ele realmente for um bom jogador, certamente vai ter algum olheiro o observando em algum momento de sua juventude. A captação de jogadores da França é impressionante e espantosamente eficiente", completou.
Centro de treinamento de Clairefontaine, a casa da seleção
Na casa da seleção sa, há ainda outro importante centro de captação de jovens talentos para o futebol francês, que inclusive descobriu Mbappé. Peneiras, testes, além de projetos de assistência social são desenvolvidos diretamente em Clairefontaine, o espaço dedicado às seleções de futebol da França. Este intercâmbio propicia um ambiente perfeito para a formação do atleta e sua estruturação na vida profissional.
"Além disso, dos times de bairro e da cultura local deste futebol de rua, a gente vê o centro de treinamento de Clairefontaine, da seleção sa, que faz um trabalho exclusivamente com jovens, principalmente os mais vulneráveis, que conseguem fazer seleções em todas as categorias nos inúmeros campos do espaço, onde acontecem peneiras, trabalho social, trabalho psicológico. E ainda assim, se o jovem não teve oportunidade em um time de rua, ele pode ter a oportunidade nos centros de recrutamento de Clairefontaine. A França é um exemplo mundial de como tratar jovens jogadores, não à toa, as opções para a seleção principal se tornam cada vez mais interessantes e todo ano surge um novo craque, de talento no futebol francês, e isso é de base, literalmente", destaca Papini.
E o especialista tem certeza de que este trabalho não para por aí e que veremos na Copa do Mundo de 2026, nos Estados Unidos, Canadá e México, muitos outros talentos que despontarão no próximo ciclo frutos deste processo.
"É um trabalho feito com crianças para que os frutos sejam colhidos talvez 10, 20 anos depois. A França apresenta talentos que certamente estarão em um terceiro ciclo, se o Deschamps continuar lá, certamente na próxima Copa, a França apresentará novos nomes, tal como Tchouaméni apareceu nessa, o Upamecano, talvez em 2026, nós vamos ver outros nomes que a gente não conhece no momento, mas certamente serão World Class até lá", finalizou o jornalista.