Poucos no mundo podem dizer que estiveram ao lado dos dois maiores jogadores argentinos de todos os tempos em seus momentos mais importantes. Fernando Signorini é um deles. O argentino deixa fortes definições sobre protagonistas do futebol, além de uma reflexão humana e política que transcende o campo.
Pergunta: Como foi sua experiência com Maradona no Barcelona e o que deu errado para que ele não fosse bem-sucedido?
Resposta: A experiência foi fantástica, o início do longo caminho que percorremos juntos. Após a lesão que Andoni Goikoetxea lhe causou contra o Athletic Bilbao (24 de setembro de 1983), comecei a trabalhar com ele. Dizem que ele não foi bem-sucedido, mas o Barcelona ganhou três dos quatro campeonatos com ele. O que ele não ganhou foi porque Diego ficou ausente por 12 jogos e Schuster por oito. Ele teve azar com sua saúde: hepatite e uma fratura.
P: Pontos a favor e contra Diego Maradona?
R: Diego era um garoto maravilhoso, engraçado, espirituoso, divertido. Ele tinha uma maneira fantástica de se relacionar com seus parentes e amigos. Eu o conheci quando ele tinha 22 anos e ele já tinha uma responsabilidade sobre seus ombros que outros nunca terão em toda a sua vida. Graças a Maradona, ele pôde deixar Fiorito. O poder é tão hipócrita que, quando ele estava em Fiorito, muitos o ignoraram e o menosprezaram. Quando o limão não tem mais suco, eles o jogam para o lado.
P: O que ele fez no Napoli foi uma revolução?
R: Eu não reduziria as conquistas de Diego no Napoli às esportivas. O que ele desencadeou, e é por isso que hoje ele é um mito e uma lenda, foi uma espécie de terremoto ou revolução com um fenômeno sociopolítico inesperado. Ele elevou a autoestima de toda a região de Nápoles, da Campânia (Avellino, Benevento, Caserta, Nápoles e Salerno), que foi deixada de lado pelo poder da elite do Norte.
P: Você foi um dos poucos que o ajudaram sem interesse por trás?
R: Eu fiz o que tinha que fazer com ele. Nosso relacionamento sempre foi baseado no respeito, na nobreza. Havia pessoas que o amavam muito, outras que estavam lá para tirar proveito dele. Não sou a pessoa certa para julgá-las.
Adeus a Maradona
P: Quem o abandonou? Deixaram-no morrer?
R: Não sei se o abandonaram e o deixaram morrer. A Justiça existe para isso. Que ela seja definida nos tribunais. Se eles forem culpados, que paguem e que todo o peso da lei recaia sobre eles. E se houver pessoas inocentes a serem reintegradas à sociedade que as condenou sem saber? Não se pode expressar uma opinião de um ponto de vista emocional. Ela tem de ser racional. É para isso que servem os especialistas.
P: Se pudesse lhe dizer algo agora...
P: Diego está morto. Por mais que eu quisesse, não poderia lhe dizer nada. Eu disse a ele tudo o que tinha para dizer em minha vida. Eu dou tudo o que tenho e nunca levo embora nenhum assunto inacabado do ponto de vista emocional, porque essas são feridas que permanecem e levam à angústia.
Messi: o outro gênio
P: Você trabalhou com Messi em 2010. Que lembranças tem daquele jovem? Ele se tornou o jogador que você esperava?
R: Como posso esquecer aquele outro gênio, que nasceu para ser irado, não explicado. Se Messi fosse brasileiro e Neymar argentino, diríamos que Neymar é melhor. É por isso que temos de ter cuidado com as comparações. Eu só precisava de tempo. O relacionamento com Diego era maravilhoso.
"Você não pode acreditar como esse 'anão' joga", dizia Diego. Ele nasceu para fazer isso, e é inexplicável que ele tenha dois irmãos que foram criados, cuidados e nutridos da mesma forma, e os outros dois não conseguem fazer com quatro mãos o que ele faz com o pé esquerdo. Ele é um artista que joga futebol.
P: Você acha que Messi agora deve levantar a voz como uma referência argentina para causas que o envolvem (preço dos ingressos, por exemplo), bem como para causas sociais e econômicas?
R: Seria uma grande ajuda para a sociedade argentina se Messi dissesse algo sobre a brutalidade da repressão aos aposentados, a retirada de subsídios para a educação, a cultura, a pesquisa... mas não se pode colocar suas expectativas nos outros. Eu adoraria que ele fizesse isso, mas, ao mesmo tempo, é injusto exigir isso dele.

Técnicos
P: Você considera Menotti o melhor técnico da história? Como ele se diferencia de Mourinho e Guardiola? E qual é sua opinião sobre Bilardo?
R: Para saber quem é o melhor da história, você teria de ter 130 anos de idade e ter visto todo o futebol. Isso não pode ser provado. Você não compara os melhores, você os aprecia. É muito perverso fazer isso. Há caras que não ganharam tanto porque estavam em times inferiores. Menotti foi um dos melhores do ponto de vista conceitual, muito parecido com Guardiola. Mourinho é muito bom em seu estilo. Todos os três tinham um ótimo relacionamento com os membros de suas equipes.
Sociedade e desigualdade
P: "Sou alto, loiro e de olhos azuis, mas devo tudo isso a um pequeno negro morador de favela", disse você uma vez. Há falta de justiça e visibilidade para aqueles que têm menos?
R: Muito. Há uma grande parte da sociedade que despreza aqueles que têm menos, mas que fazem os trabalhos que não querem fazer. Vivemos em um mundo miserável e injusto. Como disse Yupanqui: "A vaidade é uma erva ruim que envenena todo o jardim".
Futebol e assuntos atuais
P: Diga três personalidades do futebol com quem você dividiria um churrasco.
R: Sócrates, George Best e Johan Cruyff. Eu usaria apenas minhas orelhas.
P: Você vê algo de Messi ou Diego em Lamine Yamal?
R: Não devemos apressá-lo demais. Ele tem as expectativas do mundo sobre ele. Não sei até onde ele vai chegar. Eu adoro vê-lo jogar. É uma questão de gosto. É perverso compará-los. Se você não dá nada a ele, por que deveria exigir algo em troca? Ele é um jogador extraordinário. Quero que ele seja feliz fazendo o que faz. Espero que o sistema não o desfaça em pedaços, como geralmente acontece.
P: Quais são os cinco melhores jogadores que você já viu?
R: Cinco? Di Stéfano disse que há pelo menos 50!
P: Qual é a principal diferença entre o futebol moderno e o de Maradona?
R: As diferenças são enormes. Pedernera disse a Menotti: "O que eu vejo eu já vi, mas o que eu vi eu não vejo". Os hábitos culturais mudaram, eles costumavam tocar oito, dez horas por dia. Hoje, os hábitos sociais mudaram por causa da tecnologia. Exige-se muito mais dos jogadores de futebol do que dos políticos.
Já houve casos de suicídios por terem sido deixados de fora do time. Os gramados melhoraram, mas não os jogadores. Não há liberdade para ser despreocupado. Os jogadores ficam preocupados quando saem para jogar. Há muito dinheiro, muito medo.
Seleção Argentina e AFA
P: Você tem certeza de que Grondona tirou Maradona da Copa do Mundo de 1994? Depois desse episódio, ele foi promovido a vice-presidente da FIFA e presidente do Comitê de Finanças. Além desses novos cargos, por que você acha que ele causou esse dano a Diego?
R: Toda a documentação precisa ser desclassificada. Eu digo que sim, eles usaram Maradona para dar um pouco mais de interesse à Copa do Mundo. Sua presença era indispensável para os patrocinadores, o público, etc. Você não precisa de tantas provas para saber o que acontece se pular de um prédio de 15 andares. Diego tinha sido muito irreverente com os poderes constituídos.
Ele os ridicularizava, desde muito jovem. Tudo se acelerou com a eliminação da Itália na Copa do Mundo de 1990, em Nápoles. Ele tinha Che e Fidel gravados no corpo e isso o incomodava. Aquela Copa do Mundo tinha que ser do Brasil porque foi a última de Havelange como presidente. Aconteceram coisas muito estranhas. Hoje eu não acredito em nenhum resultado no futebol.

P: Dos que ganharam a terceira estrela, apenas um ou dois poderiam ter feito parte das equipes de 1978 e 1986. Quem eram eles e por quê?
R: Somente Leo Messi, Angelito Di María e Dibu Martínez.
P: Você concorda com aqueles que dizem que essa seleção argentina é a melhor da história?
R: Se Dibu não tivesse cruzado o pé na final, diriam o mesmo? Porque meses antes eles eram um desastre para os jornalistas, diziam que Messi era coração de gelo, que não cantava o hino, eram infelizes com Di María e sua família, o mesmo com Scaloni... Isso sempre acontece com os argentinos, eles dão a volta por cima, todos os que os discutiam depois pulavam para o lado do vencedor. Você sabe por que se faz tanto doce de leite na Argentina? Porque há muitas panquecas.
P: O que você acha do mandato de Chiqui Tapia na AFA e o campeonato de 30 equipes? E que diferenças vê em relação à gestão de Grondona?
R: Qualquer um pode ver que o campeonato de 30 equipes é incompreensível. Ele cai o nível, me lembra das corridas de Fórmula 1, onde 30 carros correm e há quatro ou cinco que podem vencer. Da mesma forma que a Copa do Mundo de 2030, haverá 64 equipes. Tudo voltado para as grandes empresas. Não há como fugir disso, e como disse Menotti: "Quando a bola ou do campo para a mesa dos grandes empresários, o futebol mudou para sempre".
P: Quem você acha que deveria ser o técnico do Boca Juniors? O que acha da gestão de Riquelme?
R: Se eu tivesse de sugerir um técnico para o Boca, diria a Román: "Quebre o cofrinho e traga Pep, Klopp ou Mourinho, para causar um grande impacto".