O tetracampeão mundial Raí deu esta letra em conversa com o Flashscore em 2023. E a tese foi levantada recentemente pelo excelente jornalista Lúcio de Castro, da agência Sportlight.
A resposta parece simples: os árbitros e técnicos, assim como os jogadores, normalmente têm formação falha. Não só na especialização para suas profissões, mas também na escola.
Via de regra, eles não são formados nas melhores faculdades, nem são educados nas melhores escolas. Não fazem parte da elite do país que procura empregos mais sofisticados. Eles são produtos de um sistema educacional muito ruim.
Ao contrário dos Estados Unidos, de Portugal e até da Argentina, juízes e treinadores no Brasil tendem a ser penalizados por um sistema historicamente que aprofunda as desigualdades socioeconômicas.

Os brasileiros estão muito atrás da Argentina no índice da ONU que mede qualidade da educação (Education Quality Index), e também de quase todos os países que abrigam as melhores ligas de futebol do mundo.
Na América Latina, o Brasil empata com Colômbia e Venezuela no ranking, mas está atrás até de Bolívia e Peru. Os brasileiros lêem menos que quase todos os vizinhos da América Latina.

No geral, são as camadas mais desfavorecidas da população latino-americana que enveredam para o futebol.
Embora seja mais ou menos o caso nos países mais ricos, não há um gap tão grande no sistema educacional.
No país da Bundesliga, por exemplo, se você resolver ser jogador de futebol ou treinador, você terá o ao mesmo ensino médio público de um futuro neurocientista.
Não é por acaso que o Brasil não produz um Jürgen Klopp ou um José Mourinho.

Quantos técnicos brasileiros aprendem uma segunda língua na escola?
Luiz Felipe Scolari confessou recentemente que o inglês foi sua principal barreira no Chelsea. O mesmo aconteceu com Luxemburgo no Real Madrid.
Mas não falta só o inglês, falta muita coisa. Assista a qualquer episódio do "Papo de Arbitragem", programa que era conduzido pelo ex-chefe da arbitragem da CBF, Wilson Seneme. Ali fica claro que falta compreensão de texto da regra, falta de bom senso, falta de eloquência.
Falta muita coisa.
Repare também como Dorival Júnior e Tite, dois dos últimos técnicos da Seleção, se expressam tão mal que falam quase um dialeto.
Se um árbitro tem dificuldade na compreensão de texto, como ele vai entender a regra do jogo?
Com o perdão do termo mal-educado, se um juiz é "burro", não há VAR que salve.
Via de regra, estes profissionais não têm o à educação básica mais cara do país, e não se formam na USP, na UFRJ ou na UNB. A maioria estuda educação física, alguns são militares.
O próprio Seneme propôs uma academia para os juízes dentro da CBF, numa tentativa de corrigir a formação ruim dos juízes, mas acabou demitido.
A profissionalização e melhor estrutura para os árbitros ajudam, sem dúvida. Assim como uma academia para técnicos. No entanto, o problema é mais embaixo.
Se o currículo escolar é ruim, se a aula de matemática, português, sociologia, etc é uma porcaria, estes profissionais chegam ao mercado de trabalho precisando superar deficiências estruturais importantes. Assim como a massa da população brasileira.
Se esta chaga assola o Brasil desde sempre sociedade afora, com o futebol não seria diferente.

E as exceções só parecem confirmar a tese.
Além das históricas, como o técnico João Saldanha e o árbitro Arnaldo Cezar Coelho, há algumas recentes, como o psicólogo Fernando Diniz e o professor Wilton Pereira Sampaio. Mas no geral, o cenário é comparável ao nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Enquanto nossa educação for a de sempre, o nível dos técnicos e árbitros continuará o mesmo.