Confira entrevista exclusiva que José Neto concedeu ao Flashscore:
Ficou surpreso quando chegou convite para ser técnico de basquete na África?
Fiquei surpreso porque tinha pouco conhecimento e relacionamento com este continente. Depois que fui para o Japão, acredito que abriram-se as possibilidades para países de continentes fora do trivial
Quais informações e impressões que tinha?
Logo após o Mundial sub-19 na Sérvia, em 2007, onde fui o treinador da seleção brasileira e chegamos a disputa do bronze, perdendo para a França de Nicolas Batum, tive uma proposta para ser treinador na Nigéria. O valor oferecido foi altíssimo para minha realidade do momento, mas apesar de ter sido dispensado pelo Paulistano e estar sem trabalho, optei em não aceitar, pois minha esposa estava grávida e preferi ficar e dar apoio a ela.

Como há muitos anos tenho participado de seleções brasileiras em diferentes categorias, o que eu sabia anteriormente do basquetebol da África, era apenas dos países que tínhamos que enfrentar em competições como Olimpíadas e Mundiais. Sem dúvida nenhuma, Angola era um país que sempre estava presente no cenário mundial como representante do continente, fazendo jus ao maior vencedor de competições africanas (11 títulos).
No entanto, eram informações muito pontuais de scouting sobre alguns jogadores mais importantes e a maneira que jogavam. Sobre as impressões da África, acredito que são as mesmas que todos aqueles que nunca tiveram contato com esse continente podem ter: muita pobreza, pouco desenvolvimento e recursos.
Sua percepção mudou em que momento?
Esta percepção mudou quando aqui cheguei e comecei a conhecer realmente o país e o continente. Logo que cheguei, também me ofereceram para ser o treinador da seleção angolana masculina nas janelas FIBA de classificação para o Afrobasket, competição em que Angola é o maior vencedor. Fui o treinador nestes torneios que foram disputados em Ruanda e Camarões e pude conhecer um pouco mais sobre o continente. Quando participamos da BAL, competição continental de clubes da África, (totalmente gerida pela NBA com parceria da FIB e que foi o principal motivo que aceitei o desafio de vir para Angola), pude então conhecer melhor a parte boa deste continente.
O que mais chamou sua atenção?
Sem dúvida nenhuma as dificuldades estão presentes. Porém, muitas coisas positivas a serem exploradas também. Existe um choque de realidade no dia a dia. As diferenças sociais e econômicas estão presentes no mesmo metro quadrado. Com certeza isso é o que mais chamou a minha atenção, estamos todos os dias vivendo esta experiência. Como procuro ver mais as possibilidades do que as limitações, começamos a implementar uma maneira de trabalhar dentro do nosso clube e fomos obtendo êxitos.
Vim para Angola com o Diego Falcão, preparador fisico que tem trabalho comigo nos últimos 16 anos e é parte fundamental para a implementação da nossa proposta de trabalho. O Petro de Luanda é um clube forte financeiramente e um dos clubes mais populares do país. O basquete é, juntamente com o futebol, o esporte número 1. Tivemos total apoio da diretoria para implementar esta proposta de trabalho. Isso nos deu muitas possibilidades de evolução para ter bons resultados dentro e fora de Angola.

Quais os pontos positivos e que precisam ser melhorados no basquete de Angola? Liga organizada?
Tem muitos pontos positivos. Um celeiro natural de atletas da modalidade. Dá a impressão de que Deus criou o africano para que pudesse jogar basquete. Mas são pedras brutas, que precisam ser trabalhadas para serem pedras preciosas. Isso nos motiva muito porque podemos ver que o trabalho dá bons resultados. Gosto dos desafios.
Muitos aspectos precisam ser melhorados por aqui. Acredito que o mais importante é o trabalho com os formadores. Aqueles que irão fazer esse trabalho de transformação destas pedras brutas. Aqui, o campeonato nacional tem a gestão da Federação Angolana. Não é uma liga gerida pelos clubes porque muitos clubes não têm condições de se sustentarem por si só e precisam do apoio da federação. As estruturas também são bem diversas. Nós temos uma boa estrurura de treinamento e jogos. Mas muitas equipes ainda precisam melhorar, porém isso é reflexo das condições e cultura do país.
Quais os maiores aprendizados até então?
Acredito que sempre quando assumimos alguma equipe temos desafios em comum, que é de atender as expectativas de quem nos contrata. Nos últimos anos, tenho sido contratado para promover uma mudança de patamar das equipes e depois conseguir se manter neste alto nível. O que difere são as culturas, adaptabilidade do trabalho e poder de convencimento para a execução do mesmo. Essas questões na África, por todas as características que citei acima, são ainda mais desafiadoras. Tenho a certeza que esta experiência me deixou ainda mais capaz, nao somente para lidar com o basquete, mas também com situações da vida.
Basquete africano ainda é subvalorizado?
Acredito que está mudando. Ja podemos ver muitos africanos sendo protagonistas na NBA, Europa, NCAA. Vai melhorar ainda mais com o crescimento da BAL, que é uma competição que está potencializando os clubes da África e está crescendo a cada ano.
Algum aspecto que é mais presente no basquete africano?
O potencial fisico é impressionante. Qualquer equipe africana tem jogadores que chamam muito atenção pelo poderio fisico. O grande desafio é transformar esse potencial em “energia útil” para o basquete.
O que dizer do nível técnico do basquete angolano?
Tecnicamente não é tão ruim. Muitos têm habilidades para o basquete, mas já sabemos que a parte técnica precisa ser integrada à parte tática, já que a modalidade é coletiva e as ações individuais precisam ser em prol do coletivo. Estou convicto de que uma equipe africana bem formada e trabalhada coletivamente pode levar muita vantagem em relação aos outros continentes porque o aspecto físico do africano é brutal.
Como explicar a diferença de investimento, estrutura e visibilidade em relação à liga brasileira masculina (NBB) e feminino (LBF) de basquete?
Esta diferença nao é uma exclusividade do basquete brasileiro. Ela está presente no mundo. Posso citar o exemplo das maiores ligas do mundo da modalidade e iremos ver que o investimento, estrutura e visibilidade da NBA e WNBA também são muito diferentes. Penso que o foco tem que ser para minimizar estas diferenças. Vejo que a LBF tem buscado fazer melhor a cada ano sua competição. Porém, os clubes não têm as mesmas condições para seguirem evoluindo, chegando, às vezes, até a serem extintos. Vejo também a liga masculina muito mais evoluída porque os clubes estão sendo mais competitivos. Justamente porque a competição no masculino é maior e isso exige que treinadores, atletas e dirigentes tenham que evoluir. Portanto, parafraseando Cortela: "o foco tem que ser em fazer o nosso melhor, na condição que temos até que tenhamos condições melhores para fazer melhor ainda!"

O que pode ser feito para diminuir essa margem e tentar fazer o torneio feminino ganhar força?
Estou convicto que é necessário ter um Programa de Desenvolvimento do Basquete Feminino Brasileiro. Este programa ja elaboramos e apresentamos à CBB e ao COB para ser executado porque abrange várias frentes. O COB viu com muitos bons olhos este programa. Iniciamos uma parte através do projeto ADELANTE, que tem o foco em trabalhar com a formação dos formadores. Ou seja, oferecer uma metodologia de trabalho com as categorias de base do basquete feminino brasileiro. Espero poder executar os outros projetos que compõem o programa todo.
Algo mais que gostaria de acrescentar?
A imagem da África que mais veicula no mundo é da pobreza e miséria, mas para a surpresa de muitos, é um continente com um poderio financeiro incrível. Algumas equipes têm excelentes condições e estrutura para treinamento e jogos além do perfil físico dos (as) atletas que favorecem muito o desenvolvimento da modalidade.
Enfim, fico feliz em poder estar a representar bem o basquete brasileiro no continente africano, ganhando como melhor treinador da África, eleito pela BAL na temporada ada. Acima de tudo, juntamente com Diego Falcão, estamos conseguindo implementar e deixar como legado uma mentalidade de trabalho que permite que o clube possa sempre estar competindo em um alto nível de excelência.
Esta é a mesma mentalidade que estamos implementando na seleção brasileira feminina e temos como expectativa de que possa servir de referência para os clubes e seus profissionais. Para isso, abrimos todos os treinamentos, tornando ível a execução desta metodologia a todos os interessados. Afinal, acreditamos que precisamos estar unidos para que o basquete do país seja cada vez mais forte e possa ter um trabalho contínuo visando os bons resultados.