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Futebol 360 com Betão: A complexidade do jogo

Para Betão, futebol mudou para melhor
Para Betão, futebol mudou para melhorFlashscore/AFP
Caros leitores, hoje falaremos sobre a complexidade que envolve um jogo de futebol. Começo escrevendo este texto na certeza que gerará controvérsias. Sei que para alguns, aqueles mais simplistas ou saudosistas, a modernidade que envolve o esporte nos dias de hoje “acabou” com o jogo. Acreditam que ele deve ser o mais simples possível, 11x11, o que vale é a bola na rede e acabou.

A tecnologia, a forma de comunicação com “palavras difíceis”, os esquemas táticos adotados… quando juntamos todos esses ingredientes, muitos acreditam que esses são os motivos que estão deixando o futebol feio, sem tempero, “robotizado”, sem criatividade por parte dos atletas e “engessado” taticamente pelos treinadores. Mas será que realmente o futebol mudou para pior?

Sou obrigado a concordar que de nada adianta obter tantas informações individualizadas e coletivas, ter big datas, softwares, análises individuais e dezenas de departamentos dentro do clube, se tudo não for transformado em gols, vitórias e títulos. Até porque o propósito final do futebol são as conquistas. Seria o mesmo que ter uma Ferrari estacionada na garagem e não saber pilotar.

Análise de desempenho é uma realidade nos clubes
Análise de desempenho é uma realidade nos clubesCesar Greco/Palmeiras

Mas vocês hão de concordar comigo que o mundo evoluiu de um modo geral, e a evolução no futebol não poderia ficar para trás. Com toda certeza, essa evolução trouxe muitas melhorias. Os clubes que estão sabendo lidar com essa evolução deram um salto tão grande que estão a os largos à frente dos demais, que pararam no tempo ou que não estão sabendo utilizar essa evolução do mercado da bola.

Comparação inevitável

As comparações entre o ado e o presente no futebol sempre irão existir. “Quem foi melhor, Ronaldo Fenômeno ou Neymar?”; “qual seleção foi melhor, a de 1982 ou a de 2006?”; “se colocasse o Pelé nos dias de hoje, queria ver se jogaria da mesma forma”. Sei que tudo isso faz parte do folclore do futebol brasileiro, mas o que penso é que não dá para ficarmos fazendo comparações.

Os tempos são outros, o entendimento que se tem do esporte é outro, e o que cabia no ado não cabe no presente. Essa questão confunde tanto a cabeça das pessoas que elas têm divergências com elas mesmas.

Por exemplo, quando uma partida termina empatada sem gols, a análise é certeira: “Que jogo feio!”. E quando uma partida tem muitos gols, a análise também é certeira: “Esse jogo parece uma pelada de final de semana”.

Ou seja, as pessoas querem gols, porém com um futebol organizado. Dá para se fazer isso? Claro que dá! Por outro lado, quando os dois times jogam de forma organizada, a tendência é sair um menor número de gols. E nem por isso o jogo foi feio. Entendem a complexidade?  

Plataforma de jogo

Uma alteração que tem chamado bastante a atenção é a plataforma de jogo adotada pelos treinadores. Nos dias de hoje, a maioria das equipes iniciam com a plataforma 4-3-3. Sei que existe uma plataforma base para se iniciar um jogo e que no decorrer da partida pode haver variações: 4-1-4-1, 4-2-3-1, etc. Porém, para os antigos, essa alteração na plataforma inicial já gera um problema.

Nos últimos dias, uma entrevista chamou a atenção. Foi a declaração dada pelo ex-jogador argentino Juan Roman Riquelme, ídolo de uma geração jogando como meia ofensivo. Hoje, é o vice-presidente do Boca Juniors.

Ao comentar sobre a plataforma de jogo adotada nos dias de hoje, ele disse: “Não estou muito contente com o futebol moderno, porque creio que eu não poderia jogar bola hoje. Não sei em que lugar me colocariam nesse 4-3-3, tive a sorte de ter nascido 15, 20 anos antes”.

Achei cirúrgico o comentário dele, mas, como falarei mais adiante, ele realmente precisaria se adaptar ao futebol de hoje. Antigamente, a plataforma mais utilizada era o famoso “losango” no meio-campo, onde normalmente o meia criativo, o camisa 10, ficava na ponta ofensiva do losango por sua qualidade técnica e criatividade. E, nos dias de hoje, esse meia criativo acabou sendo alocado como extremo ou segundo volante.

Mas por que essa alteração? Não temos mais jogadores talentosos? Não cabe mais criatividade no futebol? Sim, temos! Mas com a evolução no futebol, maior velocidade de jogo, maior contato físico e maior competitividade e congestionamento no centro do campo, os espaços se abriram pelos lados.

Outro exemplo bastante visto na última Copa do Mundo foi que algumas equipes iniciaram com uma plataforma de jogo com uma primeira linha defensiva formada por 5 ou até 6 atletas. Podemos chamar de jogo feio? Retranca? Jogo reativo? Uma estratégia para atrair o adversário e jogar no contra-ataque, o famoso jogar por uma bola?

Para alguns, as definições seriam essas. Já ouvi muitos treinadores dizendo que o ponto que entramos no jogo, não podemos perder. Por outro lado, tem a necessidade da organização tática que o futebol moderno exige, e que não era tão exigida no ado.

Messi marcou presença em homenagem a Riquelme na Bombonera
Messi marcou presença em homenagem a Riquelme na BomboneraDivulgação/Boca Juniors

Atletas que se destacam no futebol mundial

Com tantas mudanças no futebol, os atletas mais antigos também entenderam que, para ter vida longa nos gramados, precisariam se reinventar. Por exemplo:

- os goleiros precisaram aprimoram seu jogo com os pés;

- os laterais tiverem que aprender a ser construtores;

- os volantes não podem somente saber marcar, devem ter características para pisar na área do adversário e recompor o meio;

- o antigo meia recuou para segundo volante ou foi jogar de extremo.

Enfim, as adaptações foram necessárias, e se deu bem quem entendeu essa necessidade. Mas sobre os atletas, gostaria de frisar uma situação: o mercado europeu não tem somente olhos para buscar aquele atleta individualista, que pega a bola, dribla todo mundo e faz gol.

De Bruyne, meia do Manchester City
De Bruyne, meia do Manchester CityProfimedia

Ainda que sigam sendo bastante cobiçados, hoje no futebol moderno os olhos estão voltados para aqueles atletas que saibam fazer um jogo coletivo, atuar em equipe, que tenham uma leitura de jogo diferente, um sistema cognitivo aprimorado. Esse é o perfil de atleta que o mercado está buscando.

Não quero dizer que o futebol mágico acabou, que o jogo bonito não existe mais e que o jogador irreverente deve deixar de encantar o mundo. O futebol deve continuar bonito, mas, para alguns, o bonito é uma chuva de gols; para outros, o bonito são os dribles desconcertantes; e, para outros, o bonito é um time organizado taticamente que não oferece espaços para o adversário.

Cada um tem seu ponto de vista e deve ser respeitado. Mas uma coisa é certa: o futebol mudou! E, para mim, mudou para melhor!